José Saramago, no
documentário intitulado “Janela da Alma”, afirma que se o “Romeu
da história” tivesse a mesma acuidade visual que tem o falcão (ou
a águia), provavelmente não se apaixonaria por Julieta. Isso porque
seus olhos veriam uma pele que não é o que estamos acostumados a
ver. Ele veria imperfeições que seriam desagradáveis a seus olhos.
Embora o grande
respeito pela obra do escritor laureado com o Nobel de Literatura e
um mestre do pensamento em seu tempo, não posso concordar com aquela
afirmação. Somos seres dotados da capacidade de criar fantasias que
escapam flagrantemente a mais clara realidade. Quando se trata de
paixão então... são tantos os fatores a contar. Os sentidos operam
em conjunto ou dissociados. Ora mais forte fala o odor ao captar o
perfume e as fragrâncias da pele e dos cabelos. Ora o tato, mais que
os olhos, descreve a textura da pele macia ou áspera que para cada
um traz uma diferente sensação. Conta ainda o som da encantadora
voz humana ao chegar aos ouvidos quando canta, fala, recita um poema
ou simplesmente murmura palavras de toda espécie. E mesmo o paladar
pode ser o limitador entre a paixão absoluta e o completo
desinteresse (corrijam-me os chefs).
É importante também
lembrar que não somos todo e apenas físico. Algo nos é
transcendente. E gostamos uns dos outros ou nos odiamos nem sempre
baseado nos nossos 5 sentidos mais naturalmente observados. É claro
que estes são o nosso meio de comunicação com o mundo exterior,
mas, por vezes, o inexplicável é a melhor explicação para os
sentimentos humanos.
Não podemos negar que
dotados da acuidade visual do falcão nossa visão do mundo seria
outra. Mas não podemos dizer que paixões tão magníficas como a da
história de Romeu e Julieta possam ser impossíveis apenas pela
ausência de uma tez de bisqüi a encantar os olhos.